Secretário nacional de Segurança Pública encerra missão no Ministério da Justiça após 13 meses de trabalho
O secretário nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar (PSB), deixará hoje o Ministério da Justiça, juntamente com o ministro Flávio Dino, que tomará posse no Supremo Tribunal Federal no dia 22 de fevereiro. Em entrevista ao Diario de Pernambuco, ele faz um balanço das ações realizadas ao longo dos 13 meses em que comandou a área de segurança pública do Governo Lula.
Tadeu ressaltou que o primeiro esforço realizado na área de segurança foi acabar com a fragmentação federativa deixada pelo Governo Bolsonaro. “Foi um momento muito desafiador”, enfatizou, acrescentando que a primeira medida foi “dialogar intensivamente com os estados para que nós pudéssemos pensar numa política nacional de segurança pública com responsabilidades compartilhadas entre o governo federal e os governos estaduais”.
De acordo com o secretário nacional de Segurança Pública, as facções criminosas modernizaram a sua atuação, se articularam, se sofisticaram. “São organizações hoje com tentáculos de ordem global. São, portanto, facções criminosas transnacionais”, frisa. Por isso, segundo ele, é fundamental ter uma atuação integrada, uma atuação fortemente federativa.
Nesse sentido, foi lançado em outubro do ano passado o Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas, um dos desdobramentos do Plano de Ação na Segurança (PAS), assinado em julho pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com investimento de R$ 900 milhões, o programa tem cinco eixos: integração institucional e informacional; aumento da eficiência dos órgãos policiais; portos, aeroportos, fronteiras e divisas; aumento da eficiência do sistema de Justiça Criminal; e cooperação entre os entes, visando enfrentar problemas estruturais como vulnerabilidade de fronteiras e divisas, transnacionalidade do crime, deficiência na recuperação de ativos, baixa integração e deficiência estrutural das polícias.
Tadeu salienta que é através de ações de inteligência que se consegue desarticular a poderosa conexão das facções criminosas que têm um poderio bélico, que ganhou musculatura com a política irresponsável de flexibilização de armas do Governo Bolsonaro e, de outro lado, a musculatura financeira, que dá uma grande capacidade de ação através da lavagem de dinheiro. “Só se consegue desarticular essas organizações criminosas com informação de qualidade, integração e inteligência”, pontua.
O secretário salienta também que “o crime organizado afeta a economia global e, nos países em desenvolvimento, é muito grave, porque chega a afetar a própria democracia, porque muitas vezes é desafiada a autoridade do Estado”, lembrando a crise no Equador.
Fragmentação federativa
Quando assumimos a Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, encontramos, assim como em todas as outras áreas do governo federal, uma fragmentação muito grande da relação federativa. A gente viu o presidente da República anterior entrar num contencioso permanente com os governadores na época da pandemia, numa coisa absolutamente sem sentido. O Brasil é um país gigantesco, que tem um modelo federativo de responsabilidades compartilhadas. O presidente, que é a maior autoridade do país, ao invés de se associar aos governadores para resolver os monumentais problemas que tem o país, sempre viveu uma relação de agressão, de contencioso, absolutamente histérico. Então, o primeiro esforço que nós fizemos, em matéria de segurança pública, foi acabar com essa fragmentação federativa, que era muito grave. Foi um momento muito desafiador. Em 2022, nós ainda tivemos quase 50 mil mortes violentas intencionais, indicadores realmente muito preocupantes, uma pequena redução em relação a 2021 de 0,2%. Então, o primeiro esforço nosso foi dialogar intensivamente com os estados para que nós pudéssemos pensar numa política nacional de segurança pública com responsabilidades compartilhadas e o papel do governo federal nessa responsabilidade coletiva e compartilhada. Então, nós iniciamos um diálogo muito forte, intensivo, com os secretários de segurança de todo o país. Em janeiro de 2023, ainda vivenciando aquele momento difícil do 8 de janeiro, nós estávamos nos reunindo com todos os secretários de segurança para dizer que a diretriz política do presidente da República e do ministro da Justiça era que nós trabalhássemos em parceria, porque essa fragmentação federativa era incompatível com o tamanho do desafio. As facções criminosas modernizaram a sua atuação, se articularam, se sofisticaram. São organizações hoje com tentáculos de ordem global. São, portanto, facções criminosas transnacionais. É muito importante que a gente possa ter uma atuação integrada, uma atuação fortemente federativa. E foi isso que a gente passou a fazer já a partir de janeiro. Então, temos um diálogo muito fecundo com todos os secretários de Segurança, independentemente, da posição política desses estados. Essa foi a diretriz e nós cumprimos prazerosamente.
Atuação integrada
A política é uma atividade nobre, tem o seu espaço no parlamento, no momento das eleições, mas depois disso é o momento da gestão pública e não há sentido nenhum em que, principalmente em áreas sensíveis como a segurança, que a gente pudesse estar submetendo ou condicionando as ações do governo federal a conveniências de ordem política para privilegiar os aliados e prejudicar aquelas composições divergentes do ponto de vista do apoio político. Então, isso foi uma coisa muito valiosa que nós efetivamente construímos. Se você procurar conversar com secretários de Segurança de qualquer estado, eu digo com muita tranquilidade isso, não é com nenhum arroubo retórico, mas é a convicção de que nós conseguimos construir esse ambiente de forte articulação federativa e nós demos os exemplos. A gente teve autoridade política para ter esse relacionamento articulado do ponto de vista federativo, procurando solver essa fragmentação. Isso concorreu para que hoje a gente tenha o melhor ambiente possível. Disse isso numa reunião que tivemos com o ministro Flávio Dino, o ministro Lewandowski, todos os secretários nacionais do Ministério da Justiça e parte da nova equipe, porque não está totalmente constituída. E quando eu fui me pronunciar, destaquei exatamente essa necessidade de que esse relacionamento federativo, articulado, integrado, não só continue como se aprofunde, porque é dessa integração que a gente pode responder a uma ação criminosa violenta, que não é mais um problema de um estado ou de outro. Você vê que as facções não estão mais nos estados tradicionalmente onde elas se instalaram ao longo do tempo. Elas hoje estão espalhadas no Brasil inteiro. Então, a resposta do Estado tem que ser integrada. Tem que ser integrada porque com a integração você tem unificação de base de dados, informação de qualidade, articulação através de mecanismos de atuação com os órgãos de inteligência que permitem você ter ações repressivas também, já que a ostensividade da polícia precisa responder ao desafio do momento, mas é através de ações de inteligência que você consegue desarticular a poderosa conexão das facções criminosas que têm um poderio bélico, que ganhou musculatura com essa política irresponsável de flexibilização de armas e, de outro lado, a musculatura financeira que dá uma grande capacidade de ação através da lavagem de dinheiro, inclusive em atividades supostamente regulares, mas financiadas com o dinheiro do crime através do mecanismo da lavagem de dinheiro, que você só consegue desarticular se tiver informação de qualidade, integração e inteligência. Então, isso foi uma iniciativa que eu tenho convicção de que nós avançamos bastante.
Regulação de armas
Fizemos uma regulação responsável de armas. Já no primeiro dia do governo do presidente Lula, ele editou um decreto e deu essa responsabilidade ao Ministério da Justiça. E essa atividade foi executada, foi exercida, pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), através da minha coordenação à frente de um grupo de trabalho que tinha as representações de poderes, da magistratura, dos conselhos nacionais de justiça e do Ministério Público, a participação das Forças Armadas e da sociedade civil também. E fizemos um debate muito fecundo, mas com muita firmeza, porque a política de armas do governo anterior foi totalmente inconsequente. Você podia ter 60 armas e metade delas ser fuzis só porque você era um CAC. Isso permitiu que parte desses arsenais migrasse para exatamente as facções criminosas. Era uma aquisição não só irregular, mas também criminosa, porque o uso que seria feito daquele armamento seria o uso exatamente para essa criminalidade violenta. Então, certamente os efeitos dessa política de flexibilização vão ser sentidos por alguns anos, porque você teve um crescimento exponencial das armas, dos clubes de tiro, das lojas que vendiam armamentos. Claro, tem as pessoas que praticam desportivamente o tiro, a caça e o colecionismo, mas essa flexibilização que permitia o sujeito ter 60 armas, metade de uso restrito, era a mesma que permitia um clube de tiro funcionando 24 horas e o sujeito de madrugada com a ponto 40 ou a 9 milímetros na cintura, bebendo num bar, dizendo que estava indo ou voltando de um clube de tiro. E sem sequer exigir habitualidade. Então tinha gente que se filiava a um clube de tiro, adquiria essas armas e não cumpria habitualidade nenhuma, ou seja, não tinha nada nem de colecionador, nem de caçador, nem muito menos de atirador desportivo. Acho que a regulação foi outra iniciativa muito importante.
Crime organizado
Um terceiro destaque que eu daria na atuação do Ministério da Justiça na área de segurança nesse primeiro ano do Governo Lula foi exatamente a gente compreender que o crime organizado se aperfeiçoou, sofisticou a sua atuação e ele não pode mais ser enfrentado apenas com mecanismos repressivos voltados a você tirar de circulação uma liderança criminosa enquanto no dia seguinte já tem alguém no lugar. Quanto mais pessoas que estão nas ruas matando sejam tiradas de circulação, claro que se estará dificultando a logística do crime e também diminuindo essa criminalidade violenta, principalmente as mortes violentas intencionais. Mas era preciso uma reflexão mais profunda de que esse enfrentamento tem que se dar no plano repressivo, claro, mas também do ponto de vista estratégico da estruturação de um combate às organizações criminosas que possa de fato descapitalizá-las e dificultar a sua logística. Porque se você mantiver apenas a repressão, o poder da criminalidade é muito sedutor. Ele corrompe agentes públicos, ele seduz a juventude na ausência do Estado, ele coopta presos, em razão da superpopulação nos presídios do país e do fato de não haver segregação entre quem cometeu uma criminalidade de grande potência e uma infração de menor potencial ofensivo. A falta de segregação desse tipo de conduta criminosa faz com que alguém que cometeu uma infração de menor potencial ofensivo seja absorvido para essas facções. É o chamado batismo que ocorre dentro das unidades prisionais. Então, nós começamos a pensar e a refletir sobre a necessidade de que o governo federal e a Senasp instituíssem um Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas, que não havia antes. Nós apresentamos o programa primeiro aos secretários de Segurança, depois aos comandantes gerais das polícias de todos os estados, porque esse diálogo federativo que nós fizemos não nos limitamos a fazer só com os secretários. Nós fomos aos colegiados que reúnem os comandantes gerais, os delegados gerais de polícia, os peritos e até as guardas municipais, porque o Sistema Único de Segurança Pública tem um papel diferencial do município, mas tem um papel na iluminação, de proximidade, que é o papel da guarda municipal, que é voltado a inibir a criminalidade de pequeno porte, mas obviamente que na hora que a cidade é bem cuidada, tem gestores que tratam o problema da segurança pública através de um Conselho Municipal de Segurança, bem equipada, entendendo que o seu papel não é o de substituir a Polícia Militar, mas é de ter uma atuação policial de proximidade, nas pequenas, médias e até nas grandes cidades. É um papel que pode ser exercido, inclusive, sem armamento letal, que é o ideal para o tipo de atuação que tem as guardas municipais.
Então, nós fizemos reuniões com todos esses colegiados que reúnem as forças de segurança exatamente para mostrar a importância desse programa. Ouvimos também especialistas. O promotor Lincoln Gakiya foi responsável pelo encaminhamento. Nós conversamos com todos esses colegiados e, no dia 3 de outubro do ano passado, lançamos o Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas, que tem cinco eixos, que tratam da chamada desfragmentação informacional, ou seja, cada estado, e, às vezes, dentro do próprio estado, a Polícia Militar tem uma informação que não é compartilhada com a Polícia Civil e vice-versa, o que faz com que essa desfragmentação informacional leve a uma atuação igualmente fragmentada, do ponto de vista dos inquéritos e até da resolutividade desses inquéritos.
Portos e aeroportos
No que diz respeito ao eixo sobre portos e aeroportos, divisas e fronteiras, nós vimos que quando havia apreensão de drogas nos aeroportos, que são ambientes razoavelmente controlados, eram quilos de droga, mas quando eram nos portos eram toneladas. No Litoral de Pernambuco, uma atuação da Polícia Federal com a Marinha do Brasil fez uma das maiores apreensões já realizadas no litoral pernambucano de 3,6 toneladas de cocaína. Esse eixo trabalha a necessidade de você modernizar tecnologicamente o controle nos portos e nas fronteiras.
Eficiência das polícias
Em relação ao eixo sobre o aumento da eficiência das forças policiais, estamos equipando bem as nossas polícias. Não é possível enfrentar uma criminalidade potente que usa viatura blindada, que usa explosivos, que usa armamento pesado, com um polícia que, às vezes, não tem nem uma viatura para se locomover. A realidade geral do Brasil ainda é de muita carência do ponto de vista da capacidade operacional. Então era importante que a gente pudesse ter uma polícia bem aparelhada, bem equipada.
Justiça criminal
Outro eixo é a necessidade do aumento da eficiência da justiça criminal. Não é possível mais que uma liderança de uma facção criminosa que foi presa uma vez, duas vezes, três vezes, continue sendo colocada nas ruas, seja por falta de um aperfeiçoamento da legislação processual penal, mas também muitas vezes por uma interpretação equivocada e, às vezes, até dissociada da necessidade de que se trate lideranças de facções criminosas diferentemente daqueles que cometem pequenas infrações, que devem ser responsabilizados, mas não podem receber o mesmo tratamento do sistema de justiça criminal de alguém que reconhecidamente lidera uma organização que promove um verdadeiro estrangulamento do crescimento do país. Recentemente, vimos um grito de socorro do prefeito de uma das mais importantes cidades do país, do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, dizendo que uma empresa contratada para fazer um serviço público para a prefeitura estava sendo chantageada por uma facção criminosa. Não é só uma questão de mudança de legislação, é uma mudança de atitude. Nós vimos em um dado estado do país, num domingo à noite, num plantão judiciário, um magistrado que deu uma decisão autorizando que uma liderança reconhecidamente criminosa, integrante de facção, fosse colocada em prisão domiciliar para cuidar de um filho autista. No dia seguinte, o relator do processo, o originário, não o plantonista, reconsiderou aquela decisão e, quando foram atrás, ele já tinha sido liberado. Falando de forma geral, não relativamente a uma situação ou outra, o poder de manipulação dos organismos estatais pelo crime organizado é muito grande. E aí qual é a novidade? É que na mesma semana o Conselho Nacional de Justiça, numa decisão unânime, suspendeu esse magistrado. Isso é uma novidade. Não que esses órgãos não tenham ao longo do tempo agido, mas às vezes agem no seu próprio tempo e a providência acontece com um certo retardo e essa pronta resposta é cobrada pela sociedade, com uma compreensão de que esse tipo de atitude tem que ser forte e firmemente reprimida, eu acho que é uma atitude nova e uma grande contribuição do sistema de justiça criminal nesse enfrentamento.
Problema global
E, finalmente, como mais um eixo desse programa, você tem o da integração no plano internacional. O crime organizado não é um problema só de um Estado federado do país, também não é um problema só do Brasil. E, portanto, há que se ter articulação e integração de ordem local, regional e global. Porque na América Latina, nós fazemos fronteira com os maiores produtores de droga do mundo. Temos fronteira com a Colômbia, temos fronteira com o Peru, temos fronteira com a Bolívia. Em Tabatinga, no Amazonas, onde eu fui, por mais de uma vez, dialogar com aquele ambiente, você anda alguns passos e está em Letícia, na Colômbia. Atravessa o rio, você está em Santa Rosa, no Peru. O Alto Solimões é um desaguadouro dessa droga que vem dos países produtores. O Brasil é um país grande consumidor, um dos maiores do mundo, mas é também reconhecidamente um país que é de passagem, que é rota do tráfico internacional de droga. Então, é necessário você ter uma ação robusta, potente, articulada com a presença da Polícia Federal em parceria com as polícias estaduais nas nossas fronteiras, com a participação das Forças Armadas e também você detectar através de mecanismo de inteligência qual é essa rota, porque nós estamos vendo sair a droga que entra pelo Amazonas, por Belém. Percorre esse roteiro e, às vezes, é exportada por portos do Nordeste, seja pelo Porto do Maranhão, do Ceará, seja pelo Porto de Suape. Então, você tem realmente aí a necessidade de uma articulação de ordem global. Não é um problema só do Brasil, mas também dos grandes consumidores, como a Europa e os Estados Unidos. É um problema de ordem global. Isso afeta a economia e, nos países em desenvolvimento, é muito grave, porque isso chega a afetar a própria democracia, porque é desafiada a autoridade do Estado.
Amazônia
Na Amazônia, você tem uma conexão de criminalidades exatamente por uma conjunção de fatores, inclusive interesses econômicos. É um extraordinário patrimônio natural, é um patrimônio onde a baixa circulação de pessoas dificulta a presença do Estado. Baixa circulação porque é selva, é floresta. Nessa fronteira com os países produtores, há essa conexão de criminalidades, tráfico de droga, tráfico de arma, tráfico de pessoas, garimpo ilegal, extração ilegal de madeira, grilagem de terras, prostituição infantil, ou seja, o Estado de tal maneira tem a sua presença reduzida e a criminalidade se expande na exata medida da ausência do Estado. Quer dizer que os estados da Amazônia Legal não estão atuando? Não, mas é necessária uma atitude diferente e é, por isso, que foi lançado um programa também que eu quero destacar, o AMAS. Ele foi lançado pelo presidente Lula no dia 21 de julho, no Palácio do Planalto. O programa foi coordenado por nós aqui no Ministério da Justiça, e se chama Amazônia com Segurança e Soberania. Ele vai investir, nos próximos dois anos, R$ 2 bilhões nos nove estados da Amazônia Legal, instalando 34 bases fixas e fluviais, instalando o Centro Internacional na cidade de Manaus, coordenado pela Polícia Federal, e também com aquisição de aeronaves, embarcações blindadas, armamento adequado para o enfrentamento dessa criminalidade e modernização tecnológica nos portos do país.
GLO
No dia 6 de novembro de 2023, nós instalamos a Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no Rio de Janeiro e em São Paulo. Nós já estávamos com a presença da Força Nacional, da Polícia Rodovia Federal, da Polícia Federal. Todos os dias a gente está vendo ações desses órgãos do governo federal, do Ministério da Justiça, agindo de maneira articulada, mas as operações da GLO em portos e aeroportos do Rio e São Paulo já conseguiram a apreensão de R$ 48 milhões em ativos ilícitos. E isso só consolida a nossa convicção de que é preciso ter uma ação coordenada e aprofundada nesses ambientes e também na fronteira com o Paraguai, no Paraná, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, porque no Lago de Itaipu também tem uma ação criminosa muito robusta, principalmente voltada à entrada de cigarros contrabandeados, falsificados, grande quantidade de maconha, de skank.
Prevenção e repressão
Nós fizemos uma operação em 12 estados que respondem por 60% da criminalidade violenta, com números de 2022, e nesses estados aplicamos R$ 100 milhões em quatro meses para que a gente tivesse uma melhoria na atuação da polícia. Mais policiais nas ruas, melhorando a qualificação também dos inquéritos que vão sendo instruídos muitas vezes sem informação de qualidade, de modo que há muitas iniciativas que certamente começaram a fazer a semeadura de uma política nacional de segurança pública e de segurança pública com cidadania, o PRONASCI, que é um programa muito importante, que trabalha na dimensão preventiva da segurança, porque é claro que a ostensividade e a repressão qualificada é uma necessidade. Mas não podemos esperar um belo dia ter um país rico, desenvolvido, com a quantidade adequada de agentes públicos com educação e tal, se a gente não se preocupar com indicadores de criminalidade mais controlados e, por isso, tem que ter ação imediata, também numa dimensão preventiva, que é a atuação nos territórios degradados, nas zonas periféricas do país. Essa criminalidade atinge principalmente a juventude negra. Então, é necessário ter políticas culturais, educacionais, e de formação também de uma polícia que trabalhe com o respeito aos direitos humanos, que seja eficaz, que seja enérgica quando necessário, mas primando pela observância da lei e pelo respeito aos direitos humanos. E, por isso, por meio do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, distribuímos 1.429 viaturas Brasil afora. Distribuímos mais de R$ 1 bilhão do Fundo Nacional de Segurança Pública para os estados.
Sistema prisional
Eu acho que está provado que o puro e simples encarceramento não é uma medida adequada, porque você tem que trabalhar com a possibilidade de que delitos de menor potencial ofensivo possam ter a responsabilização de ordem penal feita de outra maneira, com penas alternativas, com prestação de serviços, de modo que você possa minimamente pensar em ressocializar o preso ou aquele que cometeu uma infração penal. Essa política de encarceramento em massa só concorre para que alguém que cometeu um delito de menor potencial ofensivo em contato com lideranças criminosas seja cooptado pela criminalidade violenta. Então, esse modelo está visto que é ineficaz. Nós temos uma das maiores populações carcerárias do mundo e às vezes achamos que a única saída é construir presídios. Mas, ao mesmo tempo, você não pode deixar de ter ampliação de vagas no sistema prisional para que exatamente se possa ter essa segregação, ter penitenciárias estaduais, que sejam de segurança máxima.
Porque, às vezes, o que acontece? Você pega um criminoso que cometeu uma infração mediana, coloca ele no sistema prisional em contato com uma liderança criminosa, isso vira uma escola do crime. Então, eu acho que tem que ter um conjunto de medidas associadas, ampliação de vagas, mas em modelos que guardem dignidade para os presos, claro, mas deve haver alas para quem cometeu delitos de baixo potencial ofensivo e alas de segurança máxima que sejam reservadas àqueles que precisam ter realmente um isolamento, para exatamente não ter novos soldados para o crime. Além do que, claro, investir também na ressocialização. Nós temos experiências como lá no presídio de Pedrinhas, no Maranhão, que enfrentava uma crise gravíssima e que, através de mecanismos de gestão do governo do então governador Flávio Dino, conseguiu implantar programas de recuperação de egressos do sistema, com a fabricação de móveis escolares, de fardas, de blocos de concreto para fazer pavimentação de ruas, ou seja, é uma conjugação de elementos e investimentos na ampliação de vagas. Uma mudança dessa visão de que encarceramento resolve tudo. Não é razoável de tempos em tempos se fazer uma varredura nos presídios e encontrar pistolas, revólveres, armas, chuços, celulares. Então, tem que ter mecanismo também de modernização tecnológica para ajudar a controlar. Eu acho que é muito importante que, a partir do sistema prisional, nós tenhamos segregação clara, que tenhamos um foco das polícias judiciárias, das polícias civis, em inquéritos que trabalham a questão da lavagem de dinheiro e da recuperação de ativos para que a gente vá descapitalizando essas organizações e mudando, atrapalhando e dificultando a sua logística, que isso é que diminui realmente essa ação criminosa. Temos a esperança de que possamos cada vez mais dificultar a ação criminosa, principalmente a ação criminosa violenta, que tira a vida de milhares de brasileiros e brasileiros.
Conselho Nacional
No final do ano, nós reinstalamos o Conselho Nacional de Segurança Pública, que é muito relevante, e foi praticamente ignorado pelo Governo Bolsonaro. Tem as instâncias estatais, mas tem representações da sociedade civil, de outros poderes também. Foi uma iniciativa muito importante, porque ali é o ‘lócus’ de debate sobre a política de segurança e tudo isso está conectado com os resultados dessa política responsável de armas, ora implementada. Tivemos uma redução de quase 80% em novas armas de fogo no ano de 2023. Nós fizemos muitas operações integradas também sobre violência contra a mulher, sobre violência contra crianças e idosos, contra a violência nas escolas. Lançamos editais para aparelhar as guardas municipais, as patrulhas Maria da Penha e as delegacias de mulher, para estruturar as redes de delegacias especializadas, os Departamentos de Repressão ao Crime Organizado, os Departamentos de Repressão ao Narcotráfico. Também estruturamos a rede de recuperação de ativos em todos os estados para que o dinheiro dessa criminalidade organizada seja apreendido pelo poder público e possa ser reinvestido no equipamento das nossas polícias. Lá na Amazônia, nós destruímos mais de 750 balsas garimpeiras ilegais. Teve também atuação no sistema prisional para evitar que uma liderança criminosa de dentro da prisão, só pelo uso do celular, comande a criminalidade fora dos presídios, fazendo operações para a retirada de dezenas de milhares de celulares nessas unidades prisionais. Apoiamos também estados como Pernambuco, através da Secretaria de Políticas Penais, para ajudar a melhorar o sistema prisional a ter mecanismo de padronização, que aumente o controle. Por que tem armas e celulares dentro dos presídios? É claro que tem um agente público facilitando isso. Essa é uma realidade em todo o Brasil. Então, foi feito um trabalho conjugado também com os estados para melhorar o controle nas unidades prisionais. Os números da GLO no Rio de Janeiro e São Paulo em portos e aeroportos e no Paraná, Mato Gosto e Mato Grosso do Sul são muito animadores se refletindo também numa redução da criminalidade violenta do CVLI no ano de 2023 de quase 5%, enquanto de 2022 para 2021 foi de 0.2%. Claro que não é aquilo que a gente gostaria de reduzir, mas nós saímos de uma redução de 0.2% para em torno de quase 5% em 2023, o que mostra que mesmo desafiando aqueles que diziam que o aumento de armas aumenta a segurança, nós diminuímos 79% da circulação de armas e reduzimos significativamente os indicadores de criminalidade violenta e também as mortes decorrentes de intervenção policial, o que mostra que é acertada a política de reduzir a circulação de armas.
Equador
O Equador é um país muito diferente do Brasil no tamanho, na população, na economia. Então, não se compara o Brasil e o Equador. As fragilidades no Equador são muito maiores, mas decorrentes inclusive de que as políticas de segurança pública, de prevenção, urbanismo social, a pactuação ali com as FARC na Colômbia terminaram fazendo com que o tráfico procurasse rotas alternativas para a sua circulação de drogas. E exatamente o Equador e o México foram países para onde migraram essas rotas do tráfico internacional. Então, isso certamente é algo que a gente precisa prestar atenção. Guayaquil funciona como um ponto de centralidade através do porto daquela cidade. As operações criminosas ganharam robustez, potência. É claro que pelo tamanho do Brasil nós não estamos na iminência de uma crise grave como a do Equador, mas localizadamente nós já temos territórios, cidades e estados importantes do país, com partes de seus territórios já são tomadas ou pelo tráfico ou pelas milícias. Então, isso é preciso prestar atenção, tem que ter um esforço nacional. E volto a dizer, isso é responsabilidade coletiva. Não há como se dizer que a União não tem responsabilidade nisso. Tem. E os estados também têm, os municípios também têm, o setor produtivo também tem. Tanto é que lá no Rio de Janeiro nós tivemos diversas reuniões, com o ministro, sem o ministro, na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, com os segmentos econômicos preocupados em ajudar o Ministério da Justiça a estabelecer mecanismos de aumento da governança pública, de integração de câmeras de shopping centers, de integração de diversos sistemas para possibilitar o aumento da eficiência do aparato de Estado. Eu acho que a gente não vive na iminência de uma crise grave como no Equador.
Mas, se a gente não prestar atenção na gravidade do que estamos enfrentando, certamente nós vamos amargar desafios muito mais preocupantes do que o que estamos enfrentando hoje. E volto a dizer, a expansão das facções criminosas, seja para a Amazônia, para os estados do Norte e para os estados do Nordeste, que é a região mais pobre do país, mostra que em qualquer estado você vai ter sintomas da atuação de facções criminosas, ora locais, ora essas facções locais se associando a facções transnacionais para sua ação criminosa. Então, não dá para ignorar, não dá para reagir a essa situação grave com os mecanismos que sempre foram utilizados, apenas com repressão, apenas com atuação isolada de um estado ou de outro. É preciso se ter compreensão da gravidade do problema e atuação integrada cada vez mais trabalhando com inteligência. É isso que vai fazer com que a gente reduza fortemente a ação desses grupos criminosos.
Compaz
Tivemos uma iniciativa também muito relevante que é a nacionalização do Compaz de Pernambuco e da Usina da Paz do Pará como programa da área de segurança pública. A ideia é pegar uma área degradada e requalificá-la para ser utilizada pela população pobre de uma cidade, com indicadores de criminalidade elevados, onde tenha educação, cultura, música, aulas de robótica, de matemática, de computação, de dança. A experiência do Compaz no Recife é extraordinária. São equipamentos que oferecem serviço público e que oferecem também um tratamento digno para a população, certamente diminuindo os índices de criminalidade naquela zona degradada. É essa experiência que trouxemos para o governo federal, que ganhou o nome de Convive, com as adequações necessárias e que integram o novo PAC.
Segurança em Pernambuco
Pernambuco vem amargando indicadores que são preocupantes. Eu tenho dialogado com o secretário de Defesa Social, Alessandro Carvalho, em especial, mas me reuni várias vezes, visitei o Porto de Suape, conversei com a então secretária Carla Patrícia. Pernambuco foi um dos estados que participou dessa operação Paz, com resultados animadores, mas tem um desafio muito grande. Nós temos uma experiência acumulada com o Pacto pela Vida, que ainda é um dos melhores processos de trabalho em gestão por resultados do Brasil. Claro que nós queremos que as políticas que estão sendo aplicadas pela governadora Raquel Lyra tragam resultados, não torcemos contra absolutamente. Nós sempre estivemos à disposição de Pernambuco. Eu não poderia estar aqui representando o meu estado e não querer que deem certo as políticas de segurança. Agora, é um desafio muito grande. Alguns estados apresentaram indicadores que mostram a necessidade de redobrar os cuidados. Tanto os governos estaduais quanto o federal precisam de uma atuação renovada e com mais operações integradas, mais articulação federativa. Não é apertando um botão, não há fórmula mágica. Temos procurado fazer essas operações integradas. Apesar de saber que há uma situação delicada no estado, que não é uma particularidade de Pernambuco, temos visto um esforço enorme das autoridades locais para enfrentar o problema. Com certeza, tem atuação de grupos criminosos em Pernambuco, como tem no país inteiro. Então, é muito importante que haja esse trabalho concentrado. Nós somos um estado em que há uma pobreza muito grande, vulnerabilidades crônicas. No Brasil inteiro, incluindo Pernambuco, há realmente um sistema carcerário com problemas estruturais crônicos. Tudo isso, conjugadamente, traz desafios enormes à segurança pública. É isso que eu chamo de situação delicada.
Juntos pela Segurança
Não conheço em profundidade o programa de Pernambuco. Não tive a oportunidade de aprofundar um conhecimento sobre os fundamentos do programa. Vi que a governadora lançou, há uma expectativa muito grande em relação aos seus efeitos, mas ainda não houve tempo suficiente para que ele possa demonstrar os seus resultados. O que eu posso dizer é que vejo um esforço real no enfrentamento dessa situação. Acho que a instituição de metas é importante porque quando você não tem meta, você não trabalha para alcançá-las, mas eu não sei, eu não gostaria de julgar se a meta estabelecida pelo Governo do Estado é adequada para o desafio da segurança em Pernambuco. Durante muito tempo, a gente colocou uma meta para o Pacto pela Vida. Nós que governamos o estado por 16 anos. Nós, que eu digo, o PSB, porque o meu papel aqui como integrante do Governo Federal é um, como militante socialista, ex-deputado federal, dirigente partidário, a avaliação é de outra natureza. E nós sempre tivemos a preocupação com a instituição de metas, com mecanismos de gestão por resultados. Não dá para deixar cada um agir do jeito que quiser, tem que ter integração. Assisti a dezenas de reuniões do Pacto pela Vida com o governador do estado na cabeceira da mesa cobrando resultados do delegado comandante de área, do policial militar comandante de área.
Missão cumprida
Estou muito feliz com esse trabalho ao longo desse primeiro ano do Governo Lula. Ser liderado por alguém como o ministro Flavio Dino, que tem qualificação, autoridade técnica, autoridade política pelos cargos que já exerceu, tem espírito público, coragem é muito importante. Você ser liderado por alguém com visão de estado, com integridade, com visão ética do serviço público e com coragem para enfrentar setores da política brasileira que nos últimos quatro anos destruíram as políticas de segurança é um privilégio. No Governo Bolsonaro a política de segurança foi distribuir armas e instrumentalizar as polícias, o que são duas coisas muito graves, com resultados naturalmente muito danosos para o país. Ficamos também satisfeitos que o ministro Dino, que vai para a Suprema Corte, seja sucedido por alguém também de uma vida pública de longa data, com muitos serviços prestados, inclusive na questão prisional e nas audiências de custódia. Foi uma iniciativa do ministro Lewandowski, quando foi presidente do Supremo e do Conselho Nacional de Justiça. E fico feliz também pelo meu sucessor aqui na Senasp, que é o Mário Sarrubbo, procurador-geral de Justiça de São Paulo, com quem já tínhamos grandes parcerias no combate ao crime organizado. Então, acho que cumprimos bem aqui a tarefa, representamos bem Pernambuco. Estou convicto de que a responsabilidade que nos foi confiada pelo PSB, pelo ministro Flávio Dino e pelo presidente Lula foi exercida com muita seriedade, com muita dedicação, com responsabilidade e eu tenho certeza que a gente deixa aqui um legado, e esse legado, certamente pela palavra do ministro Lewandowski e do procurador Sarubbo, terá continuidade.
Volta para casa
Agora, eu vou para casa. Do ponto de vista familiar, foi um sacrifício muito grande esse período que passei aqui em Brasília. A convivência com minha família só se dava nos fins de semana. Estou sentindo falta disso. É um momento de recuperar essa convivência familiar, que é muito importante para qualquer pessoa. E também voltar para casa porque eu sou procurador da Fazenda Nacional. Eu estou há 17 anos fora da minha instituição. Voltarei para ela, se for o caminho de voltar, e não tem outro neste momento. E exatamente a partir do dia que eu for exonerado, estarei à disposição da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Ocupo o cargo de procurador com muito orgulho, porque exerci durante muito tempo e sempre com o sentido de servidor público, que é o de servir à população. E, na área tributária, que é a área em que eu historicamente milito, a primeira face da justiça social é a justiça tributária. É preciso ter uma ação forte do Estado em relação a quem deixa de pagar suas obrigações fiscais e tributárias, para exatamente garantir a isonomia fiscal e social. Aqueles que ganham muito devem pagar muito. Quem ganha menos, paga menos, mas paga. E quem não ganha nada também, evidentemente, precisa ter o apoio do Estado. Eu fui secretário em Pernambuco durante oito anos com Eduardo Campos, fui deputado federal por dois mandatos, tive o privilégio de servir aqui ao Ministério da Justiça, sendo ministro da Justiça Flávio Dino, um dos maiores políticos da minha geração, que tinha essa atitude corajosa de enfrentamento. Não são todos os que se dispõem a fazer esse tipo de enfrentamento, com riscos, inclusive pessoais. Então, eu saio com o ministro. Entrei com ele, saio com ele, e depois de alguns dias de descanso, estarei na Procuradoria Geral da Fazenda Nacional me apresentando para cumprir minhas obrigações.
Entrevista publicada pelo jornal Diario de Pernambuco em 30/01/2024